Sunday, February 5, 2017

Eu poderia falar de muitas coisas que estão acontecendo politicamente aqui e no Brasil, mas em vez disso vou falar sobre educação. Essa semana começou com uma notícia boa com relação às minhas aulas: fui nomeada para um prêmio para professores em ASU. O prêmio é super concorrido, com professores do centro de humanidades numa universidade que é gigantesca - tem cerca de 80.000 alunos - e não espero ganhar, pois estarei concorrendo com professores que já ensinam lá há decadas. Mas, porém, contudo, entretanto, todavia, foi uma nomeação que me tocou bastante, já que nunca fui nomeada a algo assim e esse é o meu primeiro ano aqui. Não sei se foi um/a colega de trabalho que viu minhas avaliações do semestre passado ou se foi algum/a aluno/a, mas me sinto honrada e profundamente grata por ter tocado a vida de alguém dessa forma. Eu ensino língua estrangeira, e logo o português, portanto, o valor do que eu ensino na vida de um/a aluno/a é geralmente percebido como quase nada. Os alunos fazem aula de língua em geral ou porque são obrigados ou por diversão. O trabalho da gente dificilmente é reconhecido. Ter sido nomeada pra esse prêmio me lembra a experiência de ter sido homenageada pelos meu queridos alunos do Secretariado em 2005. Eu tinha sido professora deles em 2002, de novo numa aula obrigatória de inglês instrumental e ainda por cima, tinha sido só professora substituta. Qual não foi a minha surpresa quando fiquei sabendo que eles tinham me escolhido entre os professores homenageados na formatura! Bom, vou preparar os materiais para o prêmio, claro, e já conto com duas cartas de apoio de dois alunos que, muito gentilmente, concordaram em escrever as cartas.

Então, a semana começou com essa notícia e terminou com uma aula na quinta-feira na minha turma de português elementar que me lembrou - como acontece periodicamente - porque eu inventei de seguir uma carreira tão pouco valorizada. Eu estava ensinando vocabulário sobre descrição de pessoas para os alunos, com a minha tipica atividade em que eu dou as seguintes frases para eles e peço para eles escolherem as melhores palavras para completar as frases:


Como é a professora?
Ela é de Fortaleza/de Phoenix
Ela é alta/baixa
Ela é branca/negra/morena.
Ela tem olhos azuis/castanhos/verdes/pretos
Ela tem cabelo castanho/preto/loiro/ruivo, longo/curto e liso/ondulado/crespo
Ela tem _____ anos
Ela é bonita/simpática/divertida/inteligente



A atividade, que sempre termina com eles escolhendo todas as alternativas na última frase e aprendendo na frase anterior que eu tenho 15 anos, nos levou a uma conversa sobre raça e desigualdade social no Brasil. Essas conversas sempre acontecem nas minhas aulas, sobretudo nessa lição. Dessa vez, a conversa tomou conta da aula e não avançamos nada mais no conteúdo, mas com certeza avançamos em termos de um tema que requer muita atenção nesse momento. Essa minha turma é talvez a turma com mais diversidade étnica e racial que já ensinei nos EUA. Tenho alunos hispânicos, negros, brancos, asiáticos, e do oriente médio. É uma turma linda de se ver. São extremamente curiosos e querem saber tudo, aprender tudo ao mesmo tempo. Na quinta-feira, vi também que são meninos e meninas que têm empatia, que se importam com o futuro. Falamos sobre o preconceito racial no Brasil, sobre o preconceito em geral com qualquer pessoas pobre, sobre as políticas públicas que trouxeram muito avanço para a sociedade brasileira em termos de igualdade social e sobre como muitas delas foram desmanchadas em questão de dias depois que o novo presidente assumiu o poder. Eles imediatamente viram os paralelos entre o Brasil e os EUA e uma das minhas alunas virou pros colegas e falou: "just like what's happening now here..." "do mesmo jeito que está acontecendo agora aqui..." Uma coisa levou a outra e quando me dei conta me peguei falando sobre um tema do qual não falo muito com alunos assim em aula, mas que de vez em quando vem à tona: a história de pobreza da minha família, do quanto a minha mãe lutou contra tudo e contra todos pra estudar. Dava pra ver a empatia estampada no rosto deles. Um deles me perguntou, em inglês: professora, seus pais devem ser muito orgulhosos de você, então, né? E eu contei que meu pai viveu pelo menos até me ver começar a quinta série e, nas palavras de orgulho dele, ter a certeza de que, não importava o que acontecesse, eu iria ter mais estudo do que ele, que só conseguiu terminar a quarta série. Falei também da minha mãe, que está fazendo doutorado no final da carreira dela. Viajando longe, como fez com a faculdade, mas contando com educação à distância também dessa vez, mas completando uma meta que sempre teve e que a vida não a permitiu fazer mais cedo.  Eles se encheram de orgulho e esperança. Foi aí que eu falei pra eles, da mesma forma como falei pros meus alunos do semestre passado no dia depois das eleições aqui, quando crimes de ódio abundavam contra minorias nos EUA: vocês são o futuro. Vocês têm o incrível poder de construir uma sociedade mais justa e solidária. Independentemente de partido político, todos nós, o mundo todo, precisa mais do que nada agora de compaixão de empatia. Nós estamos nos auto-destruindo e precisamos frear isso antes que seja tarde demais. E assim terminamos a aula. Em português, não ensinei mais do que umas meras palavrinhas pra eles nesse dia. Em termos de cidadania, aprender sobre o Brasil naquele dia, creio, lhes ensinou muito mais. #porquesouprofessora.

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