Tuesday, December 27, 2016

Por causa de minha pesquisa, eu tenho lido muito sobre o neoliberalismo. Rapaz, é o tipo da coisa que é difícil ler e não se desgostar da vida. É tanta esculhambação que dá vontade de chorar em toda altura! A gente começa a desacreditar de todo tipo de discurso que, sem que seu falante-nativo-ideal saiba, justifica um monte de coisa ruim que acontece no mundo. Por exemplo, o discurso de que, se você se esbagaçar de trabalhar e nunca desistir dos seus sonhos, você vai conseguir. Por um lado, é um discurso um tanto louvável porque, afinal de contas, ele nos ensina a não fazer o que muitos neoliberais fazem: se aproveitar do que é dos outros. Por outro lado, ele é extremamente problemático por motivos que não cabem numa só frase. Então, vamos lá, de um por um: 1. Se esbagaçar de trabalhar: já parou pra pensar que, enquanto se espera que eu ou você nos esbagacemos de trabalhar, tem gente que nunca precisou fazer isso e vive no bem-bom, agradecendo a Deus pela oportunidade e "giving back"? Vide: The Real Housewives of [Anywhere]. 2. Ainda sobre se esbagaçar de trabalhar: então, como explicar aquelas situações em que alguém se esbagaça de trabalhar e num sai do canto [financeiramente, que é ao que se refere normalmente quando se fala nesse discurso]? Aliás, o que é se esbagaçar de trabalhar? Meu pai: carregador da Coca-Cola. Trabalhando no sol quente, carregando e descarregando caminhão de bebida dia após dia. Só tinha a 4a série primária porque da 5a pra lá era particular na época e a família, pobre que só jó, não tinha dinheiro pra pagar. Ele se esbagaçou de trabalhar o suficiente? 3. Nunca desistir: é sempre saudável nunca desistir de algo? Mesmo que aquilo não te leve a lugar nenhum e só cause sofrimento e desilusão, é uma boa nunca desistir? Uma boa pra quem? 4. Seus sonhos: o que são esses sonhos? Enriquecer às custas do trabalho suado-esbagaçando-nunca-desistido dos outros? Ganhar dinheiro pra se manter ou pra comprar óculos escuros de $70.000 ou se hospedar num hotel por $40.000 por noite em Dubai? [Ando assistindo muito The Real Housewives...]

É claro que nem tudo desses discursos é ruim. Em muitos casos, eles acabam serivndo de estratégia de sobrevivência. Não que eu ache que a gente deva só sobreviver. Mas quando você se vê no fundo do poço - ou, como diria Rachel Green: there's rock bottom, ten feet of crap, and me - você se agarra a qualquer coisa. O que é mais desconfortável pra mim é ouvir/ler essas coisas e não saber se nem como reagir. Digo alguma coisa? Deixo para lá e tento fazer a diferença na minha profissão, educando uma nova geração a perceber essas coisas? Se digo algo, digo o quê? Como digo de uma forma a conduzir um diálogo produtivo? Uma coisa é fazer isso com alunos, com didática e num ambiente em que discutir esses temas é - pelo menos teoricamente - algo esperado. Outra coisa é ter essas conversas com amigos. Também é preciso se policiar e continuar aberto/a a outras perspectivas. A gente anda muito enclausulado nas nossas bolhas sociais virtualmente. É preciso ter cuidado pra não acabar reproduzindo ideias sem pensar sobre elas. Pra quem tem interesse no tema, recomendo algumas das leituras que ando fazendo: A brief history of neoliberalism, de David Harvey (tem uma versão desse livro em espanhol), The filter bubble, do Eli Pariser, O livro dos mandarins, do Ricardo Lísias, Reprodução, do Bernardo Carvalho.

Inté,

Ligia

Adendo: outro desafio, talvez ainda maior, é como pensar e falar sobre essas coisas sem acabar sendo pessimista e desacreditando de tudo. Reli o post e me pareceu tão... sei lá... deprê-fim-de-mundo. Não dá pra viver assim, é claro. É preciso lembrar daquelas possibilidades da vida cotidiana de que fala o pensador francês Henri Lefèvbre (outra leitura pra quem tiver interesse: Critique of Everyday Life, também recomendo um artigo da Rita Felski: The Invention of Everyday Life): toda repetição do que seja lá o que for traz com ela também a chance de se fazer diferente. Nem tudo é negativo, nem tudo é o fim do mundo. As esperanças se renovando a cada começo de um novo ano que tão aí pra provar que a gente vive de ciclos de possibilidades, apesar dos pesares. E como eu sempre digo: não é porque parece que tudo está perdido que a gente vai deixar de lutar pra que melhore, né? Continuo matutando...

Monday, December 26, 2016

Eu cresci no interior do Ceará e lá tinha uma expressão - não sei o quão comum ela é no resto do Brasil ou mesmo no mundo lusófono - chamada "miolo de pote". Pra quem não sabe, pobre no interior do nordeste, pelo menos até os anos 1990 que foi a minha experiência, usa pote de barro para armazenar água. Lá em casa tinha dois potes na cozinha: um com água de beber, outro com água de cozinhar, e um pote no banheiro, do qual a gente tirava água com uma caneca de lata que meu pai improvisava depois que a minha avó usava a última gota de óleo de cozinha que, na época, se vendia em lata. Então, pelo que me disseram, "miolo de pote" é sinônimo de água. E como "conversar água" quer dizer conversar besteira, heresia, como dizia a minha avó, "conversar miolo de pote" é, por extensão, conversar besteira, coisa sem sentido. Taí a origem do nome do blog, pelo menos na minha cabeça chata de cearense perdida no mêi do mundo. Esse blog, então, é para isso: conversar besteira. Talvez algumas besteiras façam mais sentido do que outras, não sei. O blog é inspirado em algumas coisas: primeiro, a linguagem cearense, que inevitavelmente atravessará meus textos, nem que seja aqui e acolá, inspirada num blog antigo meu, "Matutano nos Isteites", repleto de posts inocentes, meu Deus!, de quando eu havia chegado nos EUA e narrava minhas primeiras impressões - algumas mudaram bastante - da terra do Tio Sam. Segundo, o blog da minha amiga Lorena Sales do Santos - que é inifitamente mais interessante que o meu! Leiam: Babel Interior/Inner Babel. Muito bom! - que ela descreve, se não me engano, como algo que não tem necessariamente um compromisso com um gênero textual ou com uma língua. Terceiro, a inspiração também vem de um blog, o Solilóquios (que também é maravilhoso! Leiam!) de uma outra amiga querida, Lilibete Coloriste. Li um post dela hoje de manhã e, como venho pensando há muito tempo sempre que leio seu blog em criar um para mim de novo, resolvi: vou criar logo esse negócio antes que dê preguiça de novo. Não sei se vou escrever com muita frequência. Nem sei sobre o que vou escrever. Só sei que quero escrever de vez em quando ou de quando em vez sobre o que der na telha e quem sabe, criar algum tipo de diálogo, nem que seja comigo mesma. E aqui vai o primeiro post, nesta manhã de 26 de dezembro de 2016.

Inté,

Ligia

Ps: Eu sou ruim - ruim, não, péssima! - de enxergar erro de digitação no computador. Cada post provavelmente vai ter uns 345.789.387 erros. Mas, to do what, né?